Alexandre de Moraes e o fascismo
Juristas já não têm palavras para descrever a quantidade e a ousadia dos crimes e ilegalidades cometidos em decisões do ministro Alexandre de Moraes. Mas é exatamente com isso que o ministro conta: a maldade feita com a maior cara de pau, maior ousadia e aparente falta de senso de proporções é uma arma revolucionária muito antiga. Ela serve para desmobilizar e paralisar o adversário que esteja preso a formalismos da linguagem e armadilhas retóricas. Além é claro, da prisão mental a que estamos submetidos quando vemos os caminhos da burocracia como únicos meios.
Agir com violência tampouco resolve a situação, já que ela é imediatamente aproveitada para os fins que já foram antecipados ousadamente pelo arrivista. Imaginem um indivíduo que comece a lhe xingar violentamente de fascista, de violento e de crimes jamais imaginados e nunca cometidos. Poucas pessoas teriam condições psicológicas de suportar um assédio moral generalizado e permanente. A situação se mede pelo dilema do absurdo: se você ficar quieto, as acusações só progridem e se avolumam, aumentando a tensão; se reagir de qualquer maneira, o inimigo utiliza a reação para confirmar retroativamente as acusações.
Um dos principais termos de aprisionamento, no caso da sociedade brasileira, é o pensamento jurídico.
O judicialismo brasileiro está impresso não apenas na linguagem, mas na própria cognição. Juízes, advogados, políticos, em geral, não têm meios de atacar alguém que desfere ataques criminosos sucessivos. Isso porque, para cada ataque, as vítimas precisariam formular uma defesa, o que dá tempo de sobra para novos ataques. Essa técnica retórica, transposta para o ativismo judicial, é perfeita para escravizar uma sociedade que está presa a formalismos e burocracias, como no Brasil.
Essa “pegadinha” macabra foi aplicada uma outra vez na história. Durante os experimentos totalitários do século XX, o julgamento moral foi substituído por um conjunto de regras que eliminava qualquer obstáculo para conter o terror prometido por revolucionários.
Inversão moral e paranoia conspiratória
Em um discurso logo após os atos de 8 de janeiro, Alexandre de Moraes afirma: “essas pessoas não são civilizadas”, referindo-se aos manifestantes. Naquele momento, cerca de 1.200 pessoas, entre eles mulheres, idosos e crianças, estavam depositados em um ginásio da Polícia Federal a espera de julgamento. Mais tarde, muitos foram levados para a penitenciária.
“Nem todo ser humano é humano”, dizia Carl Schmitt, um dos grandes juristas usados para justificar a barbárie nazista (não coincidentemente, hoje ele é idolatrado por ideólogos neoeurasianos).
O recurso de teorias conspiratórias para justificar investigações cujos autos permanecem em sigilo, listas de suspeitos investigados e operações policiais de surpresa, são elementos que nos obrigam a recorrer a momentos históricos em que tudo isso precedeu o terror.
Como explica Marcos Guterman, em sua tese A moral nazista: Uma análise do processo que transformou crime em virtude na Alemanha de Hitler, a burocracia e a lógica da ideologia se sobrepõem à realidade mais evidente, justificada pela crença inabalável numa conspiração do inimigo.
A mentira, o segredo e o terror são o núcleo desse processo de reorganização da sociedade alemã com vista à revolução racial. A partir dessa noção, a realidade é esvaziada de sentido e concretude: só o subterrâneo, aquilo que não é visível, aquilo que é apenas intuído pela “lógica”, é visto como o “real”. Nesse sentido, e com base nos efeitos sobre os alemães comuns documentados em seus diários e em suas correspondências, é importante localizar o papel da conspiração na estratégia ideológica nazista, como forma de sustentar a noção de que não cabe qualquer tipo de consideração humanitária em relação ao “inimigo” a ser aniquilado. Como esse “inimigo” atua somente no subterrâneo, de acordo com essa concepção, quanto menos transparente for a ação política, mais eficiente ela será. A “verdadeira” política, para os nazistas, é a que se trama na escuridão, no embate apocalíptico entre duas visões de futuro — a deles e a dos judeus. Tudo o que é positivo se torna negativo, e tudo o que é negativo ganha significado positivo.
A ideologia, no caso de Moraes, é a idolatria da palavra democracia, um regime de força que precisa ser imposto de cima para baixo, e não um sistema de pesos e contrapesos no qual a sociedade deveria equilibrar-se com a menor interferência possível, como define a democracia clássica.
Para Moraes, a democracia é totalitarismo e vice-versa.